Crime organizado, assaltos, sequestros, facções criminosas espalhadas por um país. Não, isso não é mais um roteiro de Francis Ford Coppola, o diretor da famosa trilogia “O Poderoso Chefão”. O Brasil está muito longe da Itália apenas no quesito geográfico. As ações de algumas facções criminosas, semelhantes à máfia italiana, estão ganhando representatividade no cenário brasileiro. E o Primeiro Comando da Capital – PCC – é um dos principais protagonistas desse enredo.
Fátima Souza, que trabalha atualmente na TV Record, é uma repórter policial bastante experiente. Dos seus 26 anos de trabalho na área, um dos trabalhos mais marcantes de seu currículo talvez seja o livro “PCC, a facção”, que conta a trajetória do Primeiro Comando da Capital, enquanto movimento de consolidação do crime organizado no Brasil.
Ela – que foi a primeira a denunciar a existência dessa facção criminosa –, explica na entrevista que segue sobre a não restrição do crime organizado às grandes metrópoles brasileiras. Ao contrário do que muitos imaginam, o PCC age no país inteiro, e não somente em São Paulo. No Piauí, o Primeiro Comando tem ganhado adeptos e intensificado suas ações nos últimos anos.
Tamires - O PCC é realmente isso tudo que a mídia mostra ou há exagero por parte dos meios de comunicação?
Fátima - Em relação ao crime organizado em São Paulo, tem essa eterna discussão: a imprensa é que valoriza o PCC e exagera nas coberturas, ou o PCC é realmente crime organizado, grande, que dentro e fora das cadeias tem todo esse poder?! Eu fui a primeira repórter a denunciar esse câncer do PCC. Isso, no final de 1994 e começo de 1995 – época em que o governo do estado, ainda com Mário Covas, negou. Disse que não existia uma facção, mas uma ficção, e que eu estava inventando notícia pra ter ibope. Tava, na época, na TV Bandeirantes, onde eu trabalhei 13 anos e onde tive a oportunidade de fazer várias outras matérias sobre a existência do PCC. Quando eu fiz essa denúncia, o PCC tava com quase dois anos e o Estado subestimou, as autoridades subestimaram. Sabiam que existia e fingiram que não existia, então o bicho que era pequenininho foi crescendo. Na época, o PCC tinha três mil integrantes. Hoje, tem 130 mil. Foi um crescimento muito grande. Infelizmente, das emissoras de TV e a maioria dos jornais, só os jornais da tarde continuam botando o PCC em capa, em matéria... Com exceção disso, as emissoras, orquestradas pela rede Globo, começaram um movimento de não falar sobre PCC. Hoje, se você assiste as chamadas de matérias, como na emissora que eu trabalho – a TV Record –, é “quadrilha organizada”, “quadrilha que age atrás das grades”... Quanto menos a população ouvir falar, mais ela vai pensar que o PCC está extinto e que o governo ganhou a guerra contra o crime organizado. Aqueles ataques de maio de 2006 acho que fizeram cair a ficha de todo mundo.
Tamires - Com relação às imagens veiculadas, os integrantes do PCC têm restrições quanto à publicação? Existe algum tipo de imagem que eles proíbem ser publicada?
Fátima - Hoje não. Nos três primeiros anos, o PCC se escondia, ele não queria aparecer. Depois ele gostou. Então, hoje não tem mais isso. É claro que se você for fazer uma matéria mostrando como é o tráfico de drogas, e você vai lá e faz as fotos, você vai ter que pagar. Mas eles não tomam imagens de tiroteios. A geografia de São Paulo é diferente da geografia do Rio de Janeiro. Lá (no Rio), quando acontece um tiroteio, a classe média está passando, e ela tem câmera, tem celular. Você tem mais frequência dessas imagens no ar do Rio porque as comunidades das favelas são próximas às comunidades da classe média. Aqui, em São Paulo, não. Você não tem uma emissora na periferia de São Paulo: a Record é na Barra Funda, a Band é no Morumbi, a Globo é mais ou menos no Morumbi. Então, você já não tem essa integração. A polícia entra muito mais aqui em São Paulo nas periferias do que no bairro onde você mora, do que no meu, provavelmente.
Tamires - Se houvesse essa integração, a mídia mais próxima da periferia, você acha que as emissoras publicariam?
Fátima - Eu não tenho dúvida! As emissoras pagam até amador pra ficar de plantão lá, esperando tiroteio...
Tamires - Ouvimos falar muito e pouco sabemos sobre a ação do PCC em outros estados, como o Piauí. Poucos sabemos como a facção se estrutura e se ramifica pelo país. Como se dá a ação do PCC em uma localidade geográfica que, aparentemente, não teria relação a esse movimento, que é concentrado em São Paulo?
Fátima - O PCC tá forte no Piauí. O pessoal do Maranhão também achava isso (que algumas ações criminosas não poderiam ser do PCC devido à localização geográfica distante de São Paulo), mas o PCC lá é forte. Você tem reparado quantos assaltos a banco têm tido nas pequenas cidades do Maranhão, do Piauí? É direto.
Tamires - Como se deu a extensão do PCC de São Paulo para um estado como o Piauí?
Fátima - Na verdade o PCC percebeu que ele tinha São Paulo já nas mãos. Já tinham algum acordo com bandidos do Rio de Janeiro de troca de armas por cocaína, drogas. E o PCC hoje é uma empresa que tem chefe, gerente, piloto, soldado e aí vai... só muda o nome. O PCC teve uma ampliação feita com a ajuda do governo de São Paulo, que em 2002 espalhou o PCC por todo o Brasil. Hoje, o seu domínio está em várias cabeças e tá muito presente em estados como Maranhão, Piauí, Acre, Rondônia... por mais incrível que pareça. Em Pernambuco é muito forte e já está há cerca de seis, sete anos. Depois de São Paulo, o ponto mais forte do PCC é Mato Grosso do Sul.
Tamires - O destaque para o Mato Grosso do Sul teria algo relacionado às transferências de presos de São Paulo para penitenciárias nesse estado? Isso teria influenciado o Mato Grosso do Sul a ser um dos primeiros onde o PCC se manifestou fora de São Paulo?
Fátima - Mato Grosso do Sul foi um dos primeiros ao PCC ir pra lá e mostrar a que veio, espalhar seu estatuto, ganhar a simpatia dos presos... E também porque você tem ali uma área pra qualquer bandido muito boa em relação ao tráfico de drogas, cocaína, né?! Nas proximidades você tem Colômbia, Argentina, Paraguai e Uruguai. Isso fortaleceu muito o PCC lá porque através dessas fronteiras que tem os grandes negócios de tráfico de cocaína, principalmente, pro país. Há cerca de três anos, quatro... o PCC entrou também com uma boa força no Maranhão e no Piauí, instalando representantes nas cadeias e fora delas. Hoje você tem quadrilhas que trabalham para o PCC no Piauí e Maranhão.
Tamires - Mas como essas ações são notadas nesses estados?
Fátima - Você pode reparar que o roubo de cargas aumentou muito nesses estados. E não é aquele roubo de cargas do doido, maluco, que vai lá, pega um motorista e logo é preso na outra esquina. Não. São roubos organizados: o motorista é sequestrado e deixado em algum lugar, o caminhão desaparece, a carga já está logo vendida, repassada – o que já é o crime organizado.
Tamires - Quem são esses integrantes do PCC no Piauí?
Fátima - Quando eu digo assim, “o PCC”, não to dizendo que tenha paulista lá. Estou dizendo que tenha paulista lá também, mas piauienses – o bandido do Piauí é do PCC. O bandido do Maranhão é do PCC. As representações paulistas estão lá também, mas hoje, o bandido maranhense já bate no peito com orgulho pra dizer que é do PCC. Você sabia que teve um sequestro no Piauí? Pouca gente sabe disso. Então, teve um sequestro, há cerca de uns oito meses lá, orquestrado pelo PCC, comandado por ele, cujo dinheiro era para ele.
Tamires - Além de sequestros e roubos de carga, que outras ações são típicas do PCC?
Fátima - Hoje você vê com muita força também nesses dois estados – Maranhão e Piauí –, e também um pouco em Tocantins, são os assaltos a bancos. Totalmente organizados: os caras já chegam, rendem todo mundo, levam o dinheiro, metem bala, matam a polícia e fogem. Isso é o PCC agindo, é o PCC instalado mostrando o crime organizado. Se não tiver, brevemente, uma ação nacional da polícia, a gente vai ver o PCC exatamente como a máfia italiana – que não se limitava a um estado, mas atacava a Itália inteira. A gente tá muito perto do PCC ter poder no país todo.
*Entrevista concedida em São Paulo, em ocasião do Congresso Internacional da ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) do qual Fátima Souza participou em 2009.
Edição e Reportagem: Tamires Coelho
tamirescoelho@hotmail.com
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