sábado, 10 de outubro de 2009

Desapropriação para obras de ponte gera conflito entre prefeitura de Teresina e moradores

. sábado, 10 de outubro de 2009
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A ponte do Sesquicentenário exige, para a continuidade e posterior conclusão de suas obras, a desapropriação de 95 terrenos – o que tem gerado polêmica e dor de cabeça para muitas famílias e para a prefeitura de Teresina. Situações como essa mostram até que ponto o progresso interfere na vida da população, especialmente, quando ela é de baixa renda. O Jornalight traz para você as visões de cada lado envolvido e uma contextualização da situação na qual encontra-se a obra do que será o mais novo cartão postal piauiense.

Apesar de ter aproximadamente 60% de sua estrutura pronta, ainda há muito a ser feito para que a ponte do Sesquicentenário seja concluída e possa ser usufruída pela população teresinense. Também denominada ponte João Isidoro França, a obra necessita da desapropriação de casas nas zonas Norte e Leste da capital piauiense, que serão por ela interligadas. O problema é que muitas famílias estão insatisfeitas com as medidas de desapropriação, assim como a prefeitura quer maior colaboração por parte dos moradores. No fim das contas, cada um tem sua argumentação e suas razões, só não entram em consenso.

Entre as famílias sujeitas ao processo de desapropriação, há aquelas que aceitam e se conformam, há as que oferecem resistência e há também algumas que recusam-se a falar sobre o assunto com a imprensa. Todos os entrevistados recusaram-se a ser fotografados pela equipe do Jornalight, alguns com medo de represália. Os bairros desapropriados serão Fátima, zona Leste, e Morro da Esperança, na zona Norte.



HÁ POPULARES INSATISFEITOS E OUTROS, RESISTENTES

Alguns moradores, na zona Norte, se dizem desesperados por vários motivos. Segundo Daiana Oliveira de Aguiar, a desvalorização das casas é muito grande e o dinheiro que a prefeitura oferece não dá para comprar nenhum imóvel nas proximidades do bairro. “As casas por aqui, não têm casa do valor. Por exemplo, ali na casa da minha mãe, deram 31mil. Aqui pra cá, só tem casa de 40 e 50 mil e eles deram poucos dias, eles deram menos de dois meses após o pagamento. Tá todo mundo insatisfeito aqui... e eles falam que se não sair até dezembro, eles passam por cima mesmo! Eles não tão nem aí não... não vão deixar de fazer uma obra grande por causa de minoria... e eles não entram em acordo de jeito nenhum, nem aumenta, nem nada”. Ela ainda acrescentou, indignada: “O terreno que querem dar pra gente não é aqui perto, é longe, muito longe! É na Pedra Mole, na Santa Maria da Codipi... E quem tem menino que ta estudando? E quem trabalha por aqui? É complicado!”.

A insatisfação por parte de Daiana Oliveira é incontestável: “Todos estão descontentes. Ninguém quer sair daqui! Tem gente que mora aqui há 40 anos”, explica. Primeiro serão derrubadas as casas do quarteirão mais próximo à alça da ponte. Depois, será desapropriado o restante da área, por etapas. Mas, mesmo sendo algo gradativo, o processo de desapropriação está apressado, devido ao prazo de conclusão da ponte. “Eles tão botando pressão”, disse Daiana.

A prefeitura fez a proposta de acordo com o senhor Antônio Soares da Silva, pedreiro que mora ali há 25 anos, mas ele ainda não confirmou, porque não está feliz com a proposta. Ele explicou que não é que ele ache que o terreno valha mais, mas é uma questão do valor agregado ao imóvel, pelas facilidades de sua localização: “Não é que valia mais, é porque a gente não vai achar outro lugar nesse preço que eles tão dando. A gente vai ficar quase sem dinheiro e no meio da rua! O terreno não vale, mas o negócio é que eles vão me tirar daqui, aí com o dinheiro que vão me dar não dá pra achar outra casa aqui perto, onde eu moro”. Avaliaram a pequena casa de seu Antônio Soares em 15 mil reais. Lá, moram cinco pessoas.


O pedreiro preferia que dessem outra casa na redondeza ou que aumentassem o valor do dinheiro: “Tem que sair daqui pra ir pra longe...Se eu for pra Santa Maria da Codipi, fica ruim! Eles não pediram antes, e agora, tão com pressa. Depois que eles pagam, a pessoa só tem 45 dias pra se virar. Se não sair até dezembro, eles passam por cima!”, disse Antônio da Silva.


“Dinheiro é melhor pra eles pagarem a gente, porque a gente compra a casa do jeito que a gente quer e aonde a gente quer, mas a gente vai procurar casa, aí é outro preço... aí eles falam pra procurar em outro lugar mais barato [...] A prefeitura não paga aluguel pra gente. Eles dizem que pagam, mas eles não pagam. Sai do nosso bolso!”, denunciou Lúcia Maria Oliveira, esposa de seu Antônio Soares.

Ainda segundo Lúcia Maria, haverá uma quebra entre os laços afetivos constituídos entre os vizinhos, que terão que morar distantes uns dos outros. Para ela, assim como para muitos outros moradores, é mais importante ficar em sua casa do que ver a ponte concluída. Lúcia explicou que ali, na região onde mora, no Morro da Esperança, três casas já estão desocupadas desde o avanço das obras da ponte, há cerca de quatro anos.

Os moradores do bairro Morro da Esperança reclamam que não acham casa por ali para comprar com o dinheiro que a prefeitura oferece, e que estariam avaliando por baixo. Mas nem tudo é reclamação, pois, apesar de as obras não pararem, nem mesmo à noite, não há barulho e poeira a ponto de incomodar os moradores das proximidades. Esse é um fator que pode ser constatado com todos os outros moradores, conformados ou não com a saída de suas casas.



















UM DEPOIMENTO DESESPERADO

Confira um desabafo da moradora Daiana Aguiar: “A gente vai sair da nossa casa pra ir pra um lugar ruim? A minha mãe mesmo chora dia e noite, não dorme de noite pensando... Com medo de ir pra outro lugar e não se adaptar. A minha mãe, Ave Maria, é um desespero: não dorme de noite, não sabe mais nem o que faz!

Aqui tem muita gente idoso, pelos tempos... tem o médico deles que é aqui perto, tem o mercado do Mafuá perto. Meu pai quer morar aqui perto, porque meu tio mora do outro lado da rua e ele não quer morar longe, mas ele não acha. Casa que ele acha sai de 40...50 (mil reais), e ele vai falar pro homem, o homem diz que não, que ele vá procurar outro lugar, que não pode aumentar! (O homem a quem ela se refere é o secretário de Planejamento de Teresina, Augusto Basílio) Ele dá pressão pra gente procurar outro (lugar), pra gente sair logo! Ele não aumenta, não entra em acordo com a gente e bota pressão direto pra gente sair. E a gente quer sair e aproveitar alguma coisa da casa, e a gente fica nessa coisa: não sabe se vai ou se fica...

Minha mãe achou uma casa ali, mas a casa já tava toda derrubada, toda cheia de rachadura, teria que reformar de novo, teria que gastar muito mais. Aí, ele disse que ia dar o material e o dinheiro. Mas minhas mãe não aceitou não, vai ter que gastar o dinheiro da casa já, pra pagar aluguel!


Tem tanta ponte já... vai facilitar pro trânsito, pra eles, mas a gente vai ficar no prejuízo, pés gente vai ser ruim... melhora pros grandes, piora pros menores, né?! Além da nossa casa valer pouco, vai morar longe e ficar no prejuízo. Eles não! Vão ter tudo, ao redor aqui vai ficar muito valorizado”. Tem muita gente que não quer vender por saber da valorização do terreno com a construção da ponte e porque acham que a prefeitura quer pagar muito pouco diante do que aquilo vai valer.

A gente não fechou acordo ainda por causa disso, porque a gente não achou casa ainda nesse valor e está querendo pelo menos aumentar o valor mais. Quem que acha casa de 15 mil aqui? Todo lugar que você for, vai encontrar reclamação!”.


SUPOSTAS AMEAÇAS TERIAM SIDO FEITAS
Daiana Oliveira também mencionou supostas ameaças que teriam sido feitas por pessoas da prefeitura, na tentativa de forçar aquelas pessoas a deixarem suas residências sem resistência. “Ele (Augusto Basílio) disse que não queria imprensa nisso, mas é o seguinte: se a gente não falar, ficar de boca fechada, a gente vai ser prejudicado! Ele disse que era bom a gente não chamar a imprensa, não fazer confusão porque vai ser pior pra gente, porque a gente ia acabar longe, a prefeitura ia dar a casa e não ia dar o dinheiro. Era pra não fazer tumulto, não fazer abaixo assinado, essas coisas, porque ia prejudicar mais a gente, porque ia ser pior”. Ela explicou que muita gente vendeu as casas por ameaças, muita gente ficou com medo, “porque se mandar pra Justiça a gente perde tudo e fica pior, a gente fica sem eira nem beira!”.

A esposa de Antônio Soares, Lúcia Maria Oliveira, informou que muitas pessoas entraram em acordo com a prefeitura por conta das ameaças. Alguns estariam conformados, outros estariam com medo e outros ainda, preocupados em perder o que a prefeitura estava oferecendo nas casas, baixando ainda mais o preço da oferta inicial.

NEM TODOS RECLAMAM, HÁ TAMBÉM OS SATISFEITOS

Ana Cláudia Ferreira, moradora mais recente do Morro da Esperança – está lá há apenas alguns meses – é uma das satisfeitas com a proposta da prefeitura. A humilde casa de taipa na qual mora era de sua mãe, já falecida. A prefeitura está oferecendo R$ 7.500 em sua casa e Ana Cláudia diz ter consciência de que o imóvel no qual habita não vale muito, por ser de “pau-a-pique”. Além de arranjar outro lugar para morar, ela vai ter que morar de aluguel, porque o dinheiro da venda da casa será dividido entre os irmãos.

“Tem gente aqui que ta contente, tem outros que não ta (sic)”, afirma. De acordo com Ana Cláudia, alguns vizinhos há casas avaliadas em até R$ 70 mil naquela região, há também casas que ficarão apenas sem alguns compartimentos, e a prefeitura está buscando acordo com todos. Para ela, é melhor receber o dinheiro em vez de casas, mas há resistência na vizinhança por conta do valor que querem pagar.

“Realmente ela (a ponte) vai melhorar muito”, admite Ana Cláudia Ferreira, que defende o secretário municipal de Planejamento, Augusto Basílio, porque, na sua opinião, ele tentou fazer um acordo pacífico, atendendo bem todas as pessoas e negociando.

Ana já fechou negócio com a prefeitura que, inicialmente iria pagar R$ 6.400 pela casa, mas aumentou o valor posteriormente. A casa foi colocada no nome dela, mas garante que a mãe dela, antes de morrer, já havia entregue a papelada à prefeitura, na fase inicial da obra.

A VERSÃO “OFICIAL” DA SITUAÇÃO

Quando conversamos com alguém envolvido com o processo de construção da ponte, inicialmente, o discurso mais ouvido é: “Não há nenhum tipo de resistência!”. Mas todos sabem que, em uma obra da magnitude da Ponte Sesquicentenário, que envolve tantos processos de desapropriação, seria impossível não haver qualquer tipo de resistência. Talvez a quantidade de resistentes não seja maior porque, segundo o superintendente da SDUCN (Superintendência de Desenvolvimento Urbano da região Centro-Norte), Marco Antonio Ayres, nem todas as famílias serão afastadas da área: “Metade sai e a outra metade fica, porque vai só remanejar para trás”.

Em ocasião da visita do governador Wellington Dias e do prefeito Sílvio Mendes, entre outras autoridades, às obras da ponte, o superintendente disse: “Aquilo que depende dos outros, como desapropriação, às vezes, vai ter alguém que queira discutir preço, pode dar uma atrasada... Não aconteceu ainda. Um questionamento radical de preço, por exemplo, a prefeitura oferecer 10 e o cara pedir 1.000, não existe isso! As contas são muito perto uma da outra,em problema. O povo entende, tanto o povo da cidade como os moradores que vão ter seus imóveis atingidos pelo aterro da ponte, eles entendem o seguinte: o interesse público é uma coisa que ta acima de qualquer interesse. A ponte é uma obra necessária, é um clamor da cidade... todo mundo reclama... do mais humilde ao mais abastado. Então, a gente entende que o lado psicológico, na hora da conversação, pesa muito, que é esse aspecto da ponte estar sendo praticamente concluída e vai ter que passar carro por cima!”.

A situação perceptível, porém, constitui uma realidade muito distante do discurso do superintendente. Para muitas famílias que serão desapropriadas, é muito melhor continuar no seu cantinho, sem construção de ponte ou qualquer outra obra para o “desenvolvimento” de Teresina. E as contradições não param por aí: a versão oficial da prefeitura também consiste no pagamento de eventuais aluguéis, fato que já mostramos ser negado por moradores. “Do lado de lá (zona Norte), que é o pessoal mais modesto, eles têm dificuldades. Às vezes, a casa é alugada e a prefeitura dá uma solução de casa pra ele ou paga aluguel enquanto ele recebe a casa do programa do governo federal ‘Minha Casa Minha Vida’, afirma Marco Antonio, que não considera em suas explanações a vontade ou não daquele grupo de pessoas de se deslocar para bairros distantes – onde estão sendo construídas as habitações do programa federal. Os gastos em desapropriação estão orçados em nada menos que R$ 5,5 bilhões.

“A obra tem que ser avançada, tem que ser concluída pra que a gente faça os acessos. Próximo à avenida Raul Lopes, nós já temos zonas liberadas. Nós temos, aproximadamente, no tronco da avenida, no eixo da ponte, 150 metros de pista livre já e temos 200 metros de alça pra fazer terraplanagem”, conclui o superintendente da SDUCN.

AS “RAZÕES” DA PREFEITURA

Nenhuma história é feita por apenas um dos lados e a prefeitura tem suas razões plausíveis para não ceder às propostas de pagamento que os resistentes querem. Quando entrevistamos o secretário de Planejamento da prefeitura de Teresina, Augusto Basílio, ele falou, que “a princípio, não está tendo resistência, as pessoas estão conscientes da importância da ponte” porque a credibilidade do prefeito Sílvio Mendes estaria ajudando no processo de desapropriação. Quando mencionamos casos isolados, porém, ele passou a explicar o que de fato está acontecendo, sob sua visão de gestor, obviamente.

“Tem casa lá que é uma choupana! Como é que eu vou avaliar uma casa por 11 mil e o cara quer 50? Como é que eu vou justificar para o Tribunal de Contas uma casa que vale 11 e eu pagar 50 mil? Então, o que é que eu to fazendo: nós estamos oferecendo o conjunto habitacional Leonel Brizola, lá no Monte Verde, perto da Santa Maria da Codipi. Eu sei que não tão querendo... mas nós estamos dando opção! Nós estamos oferecendo pra eles irem morar lá”, justificou-se.

Até o discurso inicial começou a mudar de figura, e os insatisfeitos foram mencionados: “Descontentes tem, mas o que é que eu to oferecendo: são casas pequenas e eu ofereço que ele, com o dinheiro, compre o terreno que eu dou o material pra fazer uma casa. Eu pago seis meses de aluguel. Quem tiver que sair, que pago seis meses de aluguel enquanto faz a casa, permito que ele tire o que ele puder de material, de tal forma que a gente não ta simplesmente tirando o cara e botando pra fora não!”.

VARIAÇÕES EM RELAÇÃO À VALORIZAÇÃO DOS TERRENOS

Ao questionarmos as diferenças bruscas quanto à valorização dos imóveis, a explicação que o Augusto Basílio deu baseia-se no fato de os terrenos da zona Leste terem dimensão maior que os da Norte, além de terem documentação. O secretário, inclusive, admitiu que “o maior volume de recursos que a gente vai gastar vai ser na zona Leste”. Basílio ainda acrescentou: “A maioria aqui (na zona Norte) não tem documentação. Eu pago só o que tem construído. Não vou é pegar uma casa avaliada por 11 e o cara quer 30 mil, 40 mil... existe um laudo de avaliação que eu tenho que me basear nele! Eu liguei pro avaliador e ele me deu a margem que eu posso trabalhar”.

A PARTE BUROCRÁTICA

Tem muitos processos resolvidos, segundo Augusto Basílio. O secretário já entrou em contato com os dois cartórios, de ambas as zonas, pra resolver as situações de desapropriação. O pagamento das despesas do cartório não é feito individualmente, mas sob forma de créditos. Basílio ainda explicou que é preciso uma certidão negativa de ônus, para levantar uma relação de quem tem dívidas na Caixa Econômica. As certidões informam isso e o levantamento já começou a ser feito.

PRAZO DE ENTREGA DA OBRA FOI ADIADO MAIS UMA VEZ

“A previsão de término da ponte não é mais no final do ano. Nós estamos trabalhando pra fechar até a rua Alex Diniz, porque da Alex Diniz pra frente, quase não tem problema. Nós estamos fechando da Marechal Castelo Branco até a rua Alex Diniz”, admitiu Augusto Basílio. O secretário preferiu sequer arriscar uma nova data de entrega, mas acredita que, até o final do ano, as desapropriações necessárias sejam feitas e a ponte seja concluída até fevereiro de 2010.

MAIS DETALHES SOBRE A DESAPROPRIAÇÃO

Ao todo, há 26 terrenos a serem desapropriados na zona Leste e 69 na zona Norte, e, entre essas 95, há as que estão em processo de tramitação, os locais já desapropriados, pessoas que têm problemas em cartório com os terrenos, e até mesmo um terreno do 25º BC está incluso na área. Dos 26 no bairro Fátima, zona Leste, o secretário de Planejamento Augusto Basílio afirma já ter conversado com 18, durante esse processo de negociações individuais. Ângela Alves é a engenheira que acompanha os processos e Augusto Basílio faz negociações em nome do prefeito Sílvio Mendes. As marcações já foram feitas nos primeiros terrenos a serem desapropriados.

Reportagem e fotos: Tamires Coelho
tamirescoelho@hotmail.com

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